Illustration credit: Vecteezy

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Pescaria no Rio Araguaia - Ansiedade, Paixão e Surpresa

Olá, amigos e leitores! 
Nossa equipe conheceu o Rio Araguaia em 2010, e desde então aquele lugar fantástico não saiu de nossas mentes. Por isso, retornamos à cidade de São Miguel do Araguaia - GO, em busca dos gigantes de couro que habitam aquelas águas. Confiram abaixo nossa saga em busca dos troféus do Araguaia. 

Ansiedade, frustração e paixão

Eu (Pedro) e meu pai (Hilton) conhecemos o Rio Araguaia por meio de vídeos no YouTube em que pescadores fisgavam pirararas enormes e as lendárias piraíbas. Ficamos tão empolgados que no mesmo dia meu pai já estava procurando informações sobre o local e agendando uma pescaria para julho de 2010, durante minhas férias escolares. Além de nós dois, teríamos a companhia do meu avô Raimundo. 
Foram meses de ansiedade e noites sem sono até que finalmente estávamos seguindo viagem rumo ao distrito de Luiz Alves, pertencente à cidade de São Miguel do Araguaia, no extremo noroeste de Goiás.

Por falta de informação ou mesmo desinteresse em pesquisar, acabamos marcando nossa pescaria para uma data em que as praias do Araguaia lotam de turistas que ali acampam, e talvez isso tenha sido o fator que mais influenciou no resultado pouco satisfatório.

Outros fatores que atrapalharam sem dúvidas foram a ansiedade e a expectativa depositadas no sonho de nossa primeira grande pescaria, afinal quanto mais expectativas, mais decepções.
Esperávamos fisgar os gigantes de couro com facilidade, mas o que realmente aconteceu foi que passamos os cinco dias fisgando apenas mandubés e barbados, peixes que, apesar de muito esportivos, não eram nossos objetivos almejados.
Nosso guia de pesca, embora tenha sido muito prestativo, deixou muito a desejar no conhecimento do rio, mais um motivo para aumentar nossa frustração.

Mas mesmo frustrados, é impossível voltar do Araguaia sem boas recordações, pois natureza local surpreende e impressiona nos detalhes. Isso sem falar no pôr do sol, que costumo chamar de o "mais bonito do Brasil". A paixão por aquele rio fantástico foi inevitável.


No último dia de pescaria, quando já havíamos desistido, meu pai realizou a façanha de fisgar uma suposta pirarara no equipamento leve, que levou toda a linha do molinete e detonou o equipamento, deixando-nos perplexos.
E quando voltávamos para Luiz Alves, tivemos a oportunidade de ver de perto uma enorme pirarara fisgada por um pescador local. Foi a prova de que precisávamos para saber que o peixe estava ali e o incentivo para voltarmos um dia.


Mais uma vez, Araguaia 

Dois anos se passaram e a saudade bateu. Então, mais uma vez, decidimos buscar os troféus do Araguaia, em maio de 2012. Além dos integrantes da primeira viagem, foi conosco o amigo Wildson, que desejava conhecer a região, apesar de não pescar. 

Saímos de Passos - MG rumo a Luiz Alves, onde pescaríamos por cinco dias, encarando pela frente os quase 1200 km de estrada através do cerrado goiano. Já que iríamos em quatro pessoas, optamos por levar nosso próprio barco para usá-lo nos dias em que todos quisessem pescar.


Como o trajeto é longo e cansativo, optamos por pernoitar na Cidade de Goiás - GO, antiga capital do estado e patrimônio cultural preservado, exibindo em suas ruas e avenidas a arquitetura remanescente do século passado.

A cidade também é conhecida por ser a terra da importante escritora Cora Coralina. Na margem direita do Rio Vermelho - um afluente da margem direita do Araguaia - está a casa onde morou a escritora.
Esse rio é repleto de tabaranas, curimbas, matrinxãs e outros bryconídeos que se exibem e chamam a atenção dos turistas. Logicamente, a pesca não é permitida nas imediações da cidade.


No dia seguinte, seguimos viagem e no começo da tarde chegamos ao nosso destino. Ficamos hospedados no Hotel Beira Rio, um ambiente familiar com excelente estrutura, administrado pelo amigo Vieira.

Ainda naquela tarde, conhecemos nosso guia de pesca, o Tatinha, um dos experientes membros da Equipe Só Piraíbas. Como ele não estava trabalhando, nos convidou para dar uma volta de barco e tentar algum peixe. Assim que começamos a navegar, notamos o rio baixo para a época, o que viria a tornar a semana muito produtiva tanto para os peixes de couro de grande porte quanto para as espécies menores que habitam as turvas águas do Araguaia.
Fisgamos vários mandis e barbados, e ainda tivemos uma ação de pirarara - que mesmo tendo escapado foi o suficiente para nos deixar eufóricos. O dia terminou com o sempre exuberante pôr do sol do Araguaia, como se este nos preparasse para a semana de pescaria.


De cara, um troféu
No dia seguinte, o primeiro de pescaria propriamente dita, assim que o sol despontou no horizonte já estávamos com as linhas na água atrás dos gigantes, usando equipamentos pesados (classe 80lb) com carretilhas de perfil alto e no mínimo 200 metros de monofilamento 0,70 mm, anzóis 12/0 com cabo de aço 150lb e como iscas pequenos peixes inteiros ou em pedaços. Enquanto esperávamos, nos divertíamos com os coadjuvantes do Araguaia - piranhas e candirus - usando equipamentos ultraleves, uma pescaria muito divertida.


No segundo ponto, logo após soltarmos as linhas, a vara do meu pai envergou e uma pancada seca confirmava peixe bom! Mesmo com a fricção bem apertada, o exemplar tomou linha e acabou se enroscando nas galhadas, fato que fez com que acreditássemos ter perdido a primeira chance.
Mas são nesses momentos que a experiência do guia mostra sua importância; logo o Tatinha começou a manobrar o barco para tirar o peixe do enrosco.

Após alguns minutos de trabalho, a linha se soltou dos galhos e o peixe ainda estava fisgado. O fim da briga foi limpo e tranquilo, até que a linda pirarara prancheou e pôde ser fotografada, o primeiro troféu da pescaria em menos de uma hora de pesca!



Após as fotos, o exemplar foi solto como pede a legislação de Goiás, que protege pirararas, piraíbas e piraracus da captura predatória desde 2003 - fato que foi fundamental para a manutenção da piscosidade do Araguaia.


Passamos o resto da manhã pescando peixes menores como mandubés e fidalgos, enquanto aguardávamos as piraíbas. Foram essas capturas que nos tiraram da monotonia da espera pelos troféus.


A diversidade do Araguaia

Após o almoço, fomos atrás de peixes que pudessem ser utilizados como isca na pescaria pesada. Escolhemos um ponto onde havia um cardume de pequenas cachorras-largas, que fizeram um massacre em nossas iscas. 
Além delas, fisgamos algumas lindas bicudas, que foram soltas após as fotos. Acabamos passando a tarde inteira nos divertindo com aquelas espécies. 



Era incrível, bastava lançar os pequenos lambaris e segurar a vara na mão, que em menos de dez segundos as cachorras atacavam. Devido ao tamanho dos exemplares e de suas bocas ósseas, errávamos muitas fisgadas, o que nos fez optar por anzóis menores (wide gap 2/0) que garantiram uma melhor produtividade.


À noite, após jantarmos, peguei meu equipamento mais leve e fui até o porto (em frente ao hotel) tentar algum peixe diferente usando como isca pedaços de branquinhas e lambaris que sobraram. Ali mesmo, da rua da cidade, fisguei algumas exóticos bagres como o jurupensém ou bico-de-pato e a jurupoca.


Após estourar algumas linhas com peixes que não sabia de quais espécies eram, acertei um exemplar um pouco menor que tomou muita linha no equipamento ultraleve mas acabou boiando e saindo para as fotos: uma linda arraia-de-fogo!
É importante frisar a ameaça desse peixe aos pescadores e banhistas, pois seu ferrão caudal contém toxinas que causam dores intensas e até paradas cardíacas. Para evitar acidentes, vale cortar a linha quando uma delas é fisgada e andar em rios que as possuem arrastando os pés sobre o fundo de areia para espantá-las.
Como eu usava um anzol pequeno que se deteriora rapidamente, apenas cortei a linha após as fotos e a deixei ir embora.


Pescaria no cardume

No segundo dia de pesca, fomos em dois barcos até uma região conhecida como Terra do Sol, cerca de uma hora rio abaixo a partir de Luiz Alves, onde havia um cardume de piaus-cabeça-gorda. Nesse dia, o Wildson foi conosco.
Logo que chegamos, o barco de apoio com meu pai e o parceiro foi em busca dos piaus ao lado de uma praia, e eu, meu avô e o Tatinha ficamos em uma parte mais profunda para buscar espécies diferentes.
Usando filé de curimba como isca, rapidamente estávamos com matrinxãs fisgadas, peixes muito esportivos que rendem uma bela briga e um show de saltos.

Entre as matrinxãs, uma batida mais forte com algumas corridas indicava um peixe maior, a primeira cachara da pescaria!

Enquanto isso, o outro barco fisgou alguns piaus que foram guardados para nosso almoço na beira do rio.

A parte da tarde foi dedicada às piraíbas, que não apareceram.
Um fato que aprendi ao longo dessa pescaria e de outras no Araguaia é que a ansiedade e a criação de expectativas não só aumentam as frustrações como também atrapalham o próprio resultado da pescaria, fato que já havíamos constatado em nossa pescaria de 2010. Mesmo acertando uma das melhores semanas do ano para piraíba, não a fisgamos - talvez devido à nossa pouca persistência, talvez devido à própria ansiedade...


Rio de gigantes

A pescaria dos grandes bagres estava difícil para nós, mas mesmo assim o Araguaia não decepcionava, já que até as espécies menores que fisgamos eram de tamanhos acima da média.
Resolvemos nos dedicar à pescaria de apapás ou douradas na altura do desemboque do Rio Crixás no Araguaia, e fisgamos vários exemplares de bom tamanho! Enquanto isso, sempre deixávamos uma vara pesada na água, em busca de algum filhote perdido...


Mas o filhote perdido resolveu atacar a linha de um barco ao nosso lado! Uma turma de paulistas que estava com o guia Coroa - irmão do Tatinha - acertou a fisgada na boca de uma linda piraíba e nesse momento todos recolhemos as linhas para não atrapalhar na briga com o peixe.
O exemplar acabou se enroscando em uma galhada no fundo do rio, mas com um trabalho de equipe o peixe foi desenroscado e logo prancheou para aparecer nas fotos! Um gigante do Araguaia, que fez a alegria de todos que estavam no local.

Claro que eu também quis sair na foto com aquele peixe fantástico, que habita o sonho de tantos pescadores! Uma experiência única, mesmo que a piraíba não tenha sido capturada por nós.

Acabou escurecendo sem que tivéssemos mais ações. Então, resolvemos adentrar a noite pescando em beiras de praia em busca de peixes maiores. Logo no primeiro arremesso, tive uma pancada bem pesada, que revelou ser de uma enorme cachorra-larga que saltou e tomou muita linha. Um enorme exemplar, acima dos padrões do Araguaia para a espécie.

E é claro que as cacharas também marcaram presença! Apesar de pequenas, são muito esportivas e fizeram nossa alegria naquela noite, encerrando bem mais um dia de pesca.



No meandro abandonado

No dia seguinte, o Tatinha pescaria com outra turma e por isso tivemos que arranjar outro guia, o Ronaldo. Logo cedo, ele estava nos esperando e, após conversarmos um pouco, decidimos explorar um lago de "boca franca" - com acesso direto ao rio -, um dos muitos formados pelos antigos meandros do Araguaia.
Escolhemos como destino o Lago da Montaria, e logo na entrada já pudemos a biodiversidade presente.

Optamos por mesclar iscas naturais e artificiais. Enquanto eu pinchava na proa com plugs de meia-água, meu pai e o guia iam arremessando peixinhos vivos ou em pedaços logo atrás, e os resultados foram aparecendo com tucunarés e traíras.


Vez ou outra, víamos alguns aruanãs na superfície, e era só arremessar a isca natural na frente dos exemplares que eles atacavam.

Num arremesso com pedaço de peixe numa área mais rasa, até um pequeno jacaré ousou atacar a isca e acabou saindo para as fotos, logicamente sendo solto em seguida.

É claro que as famigeradas piranhas também marcaram presença, e em tamanhos bem avantajados. Usando equipamentos ultraleves, era muito divertido fisgá-las, pois rendiam excelentes brigas.

Finalmente, após muita insistência, consegui fisgar meu aruanã usando isca artificial, o primeiro exemplar da espécie que fisguei, e que encerrou muito bem nossa pescaria no lago.


A surpresa de um gigante

Na parte da tarde, somente eu e meu avô fomos pescar. Meu objetivo era fisgar alguma pirarara para salvar a semana, já que as piraíbas não quiseram atacar nossas iscas.
Já no fim do dia, quando fui recolher o equipamento pesado, senti uma pancada na linha e fisguei, mas sem nenhuma resposta. Continuei recolhendo, até que vi outra linha enroscada no meu anzol. De cara, disse que ali havia um peixe fisgado, mas como a linha estava enroscada, meus parceiros desacreditaram. Então, emendei a linha que havia capturado na da minha carretilha e continuamos recolhendo os outros equipamentos.
Quando já havia esquecido, eis que o peixe fisgado sai do enrosco, enverga minha vara e acaba estourando. No momento, ficamos perplexos e ainda tentamos pegá-la novamente, mas sem resultado.
Então, os guias Nica (irmão do Tatinha) e Adair (um dos mais experientes da região) vieram até onde estávamos e nos relataram ter acabado de tirar uma piraíba no local e que, ao soltar o barco, a poita havia afundado. Então, começamos a tentar recuperá-la, e aí veio o fato mais surpreendente da pescaria e talvez um dos mais surpreendentes que eu já tinha visto: o Adair não só conseguiu recuperar a corda do barco como enroscada nela estava a linha que eu havia fisgado alguns minutos atrás, com o nó da emenda que fiz laçado à corda. Então, o Adair puxou o peixe - que já estava muito cansado - na mão, num legítimo cabo de guerra, e após muita força a gigantesca pirarara boiou.
Além de ser o maior exemplar da espécie que eu já vi pessoalmente, o tamanho do peixe surpreendeu até os experientes guias, que disseram ser muito raro uma pirarara do porte da que capturamos.
Vale ressaltar que o mérito dessa captura vai todo para o guia Adair, que além de tudo ainda me permitiu soltar a gigante e tomar um belo banho. Momento fantástico!


Como ainda não havia escurecido, resolvemos soltar as linhas pesadas mais uma vez, e acabamos sendo recompensados. A vara envergou lentamente, e meti uma fisgada seca, tendo como resposta corridas curtas e muito peso, até que uma arraia gigantesca prancheou e pôde ser fotografada, mais um troféu para nossas lentes.


No mesmo ponto, meu avô ainda teve a chance de capturar mais um belo peixe! Uma linda cachara apareceu para encerrar com chave de ouro nosso surpreendente dia de pesca.


O dia do Meu Velho

O último dia de pesca foi particularmente emocionante para mim. Novamente, só eu, meu avô e o guia Ronaldo saímos para pescar. 
Como eu já havia alcançado meu objetivo, dedicamos esse dia à alegria do meu velho, que tem preferência por uma pescaria mais leve e com mais ações, e isso o Araguaia nos oferece sem dificuldade. 
O ponto escolhido para passarmos o dia foi novamente a região do desemboque do Rio Crixás, onde encontramos um enorme cardume de cachorras-largas. Entre as cachorras, sempre aparecia um mandubé ou apapá para comprovar a piscosidade do Rio das Araras Vermelhas.
Bom mesmo era ver a alegria no rosto do Seu Rai a cada fisgada, momentos como esses não têm preço. 


E assim terminou nossa pescaria no afamado Araguaia, que mesmo não nos presenteando com tudo o que desejávamos, ensinou-nos, por duas vezes, que ansiedade exacerbada não nos leva a lugar algum. E mesmo assim, o rio não decepcionou e permitiu que fisgássemos alguns de seus troféus.
Quanto à piraíba, só a oportunidade de ver uma frente a frente já vale cada quilômetro percorrido. Fisgar uma fica para uma próxima vez, talvez não fosse a hora certa, talvez - ainda - nos faltasse fé.

Por Pedro Daher